As Diferentes Versões Árabes do Alcorão
(Formalmente chamado, “As Sete Leituras do Alcorão”)
Por Samuel Green
Tradução de Wesley Nazeazeno
A maioria dos Muçulmanos com quem tenho falado se jactam do Alcorão. Um dos motivos mais comuns de jactância que me tem sido dito é que todos os Alcorão do mundo são idênticos, e que ele está perfeitamente preservado e livro de qualquer variação. Esta idéia sobre o Alcorão é comumente dita como um modo de se atacar a Bíblia e de tentar mostrar que o Alcorão é superior à Bíblia. Considere a seguinte citação de uma publicação Muçulmana amplamente usada na Austrália.
Nenhum outro livro no mundo pode assemelhar-se ao Alcorão... O fato surpreendente sobre este livro de ALLÁ é que ele continua inalterado, em nem mesmo um ponto, ao longo dos últimos quatorze séculos. ... Nenhuma variação do texto pode ser encontrada nele. Você pode conferir isto por si mesmo ao ouvir a recitação de Muçulmanos de diferentes partes do mundo. (Basic Principles os Islam, Abu Dhabi, UAE: The Zayed Bin Sultan Al Nahayan Charitable & Humanitarian Foundation, 1996, p. 4, destaque é nosso)
A declaração acima diz que todo Alcorão espalhados pelo mundo são idênticos e que “nenhum variação do texto pode ser encontrada”. De fato, o autor emite um desafio dizendo “Você pode conferir isto por si mesmo ao ouvir a recitação de Muçulmanos de diferentes partes do mundo”. Neste pequeno artigo, nós aceitamos este desafio de ver se todo Alcorão é de fato idêntico.
Se Deus nos permitir, nossa investigação será em três partes:
- Examinaremos brevemente algumas histórias relacionadas à recitação do Alcorão.
- Então vamos comparar dois Alcorões Árabes de diferentes partes do mundo.
- Finalmente, daremos uma olhada em um Alcorão que apresenta variantes de leitura listadas em suas margens.
Para iniciarmos nossa investigação, deixe-nos começar lendo a introdução de uma tradução do Alcorão. N.J. Dawood é um estudioso Árabe que traduziu o Alcorão, e ele escreve:
... devido ao fato que o manuscrito cúfico (kufico) no qual o Alcorão foi originalmente escrito não continha indicações de vogais ou pontos diacríticos, as variantes de leituras são reconhecidas pelos Muçulmanos como sendo de autoridade equivalente. (N.J. Dawood, The Koran, Middlesex, England: Penguin Books, 1983, p. 10, destaques no texto são nossos).
De acordo com este estudioso Áraba, existem variantes de leitura no Alcorão. Mas qual é a natureza dessas variantes de leitura? Para começarmos a responder esta questão, precisamos perceber que o Alcorão foi transmitido para nós através de homens chamados de “Recitadores”. Eles foram os famosos recitadores do Alcorão nos primeiros séculos do Islã.O modo pelo qual o Alcorão foi recitado por cada um destes Recitadores foi formalmente registrado em formato textual por outros homens chamados de “Transmissores”. O texto feito por um Transmissor é chamado de “transmissão” do Alcorão. Deste modo uma transmissão é o Alcorão em acordo com uma autoridade da Recitação em particular. Qualquer Alcorão moderno será escrito de acordo com uma destas transmissões. Você não pode ler o Alcorão Árabe isentando-se de uma dessas transmissões. Cada uma dessas transmissões tem sua própria cadeia de narradores (isnad) como uma hadith. Algumas cadeias são fracas, outras são fortes. Isto é de interesse para a nossa investigação para notarmos que transmissões diferentes estão atualmente em uso pelo mundo nos dias de hoje.
A seguinte citação é de um erudito Muçulmano e explica com um pouco mais de detalhes o que eu tenho dito acima:
Certas leituras variantes existiram e, realmente, persistiram e se aumentaram ao passo que os Companheiros que haviam memorizado o texto morreram, e porque o manuscrito Árabe rudimentar (básico), carente de sinais de vogais e também de diacríticos para distinguir entre certas consoantes era inadequado... no quarto século Islâmico, foi decidido um retorno às “leituras” (qira’af) transcritas por sete “recitadores” (qurra’) de grande autoridade; conseqüentemente, além do mais, para assegurar a precisão da transmissão, dois “transmissores” (rawi, pl. ruwah) estiveram de acordo com cada um. Isto resultou em sete textos básicos (al-qira’at as-sab’, “as sete leituras”), cada uma tendo duas versões transmitidas (riwayatan) com somente algumas variações minoritárias na estrutura frasal, mas todas contendo meticulosamente os sinais vocálicos e outras marcas diacríticas. ... As autoridades “recitadoras” são:
Nafi’ (de Medina)
Ibn Khatir (de Meca)
Abu ‘Amr al-‘Ala’ (De Damasco)
Ibn ‘Amir (de Basra)
Hamzah (de Kufah)
al-Qisa’i (de Kufah)
Abu Bakr ‘Asim (de Kufah)
(Cyril Glassé, The Concise Encyclopedia of Islam, San Francisco: Harper & Row, 1989, p. 324, negritos adicionados)
De fato há mais Recitadores e Transmissores que estes listados acima. A tabela abaixo lista os Recitadores comumente aceitados e suas versões transmitidas e sua área de uso atual.
O Recitador | O Transmissor | Área Atual de Uso |
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"Os Sete" |
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Nafi` | Warsh | Argélia, Marrocos, partes da Tunísia, Oeste da África e Sudão |
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Qalun | Líbia, Tunísia e partes do Qatar |
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Ibn Kathir | al-Bazzi |
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Qunbul |
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Abu `Amr al-'Ala' | al-Duri | Partes of Sudão e Oeste da África |
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al-Suri |
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Ibn `Amir | Hisham | Partes do Iêmen |
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Ibn Dhakwan |
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Hamzah | Khalaf |
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Khallad |
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al-Kisa'i | al-Duri |
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Abu'l-Harith |
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Abu Bakr `Asim | Hafs | Mundo Muçulmano em geral |
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Ibn `Ayyash |
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"Os Três" |
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Abu Ja`far | Ibn Wardan |
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Ibn Jamaz |
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Ya`qub al-Hashimi | Ruways |
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Rawh |
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Khalaf al-Bazzar | Ishaq |
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Idris al-Haddad |
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Abu Ammaar Yasir Qadhi, An Introduction to the Sciences of the Qur'aan, United Kingdom: Al-Hidaayah, 1999, p. 199. |
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O que está logo acima significa que o Alcorão veio até nós através de várias versões transmitidas. Há mais versões que estas listadas acima, mas elas não são consideradas autênticas. As diferentes versões são julgadas do mesmo modo que as Hadiths também são; algumas são julgadas fracas e outras fortes. Nem todas estas versões são impressas ou estão em uso, mas diversas estão.
Todos estes fatos pode ser um pouco confusos quando você lê isto pela primeira vez. Se você está sentido isto, não se preocupe, é normal. Para simplificar as coisas, olharemos agora para dois Alcorões de diferentes partes do mundo que são impressos em acordo com duas transmissões diferentes. Nós compararemos dois Alcorões para ver se são ou não idênticos como a citação Muçulmana referida no início deste artigo declarou. O Alcorão à direta está em acordo com a transmissão de Warsh e é principalmente usado no Norte da África.
| Quando você compara estes Alcorões, se torna óbvio que eles não são idênticos. Existem três tipos principais de diferenças entre eles.
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Agora nos deixe olhar para alguns exemplos dessas diferenças. Os seguintes exemplos são da mesma palavra no mesmo verso, entretanto, você perceberá que em algumas ocasiões o número dos versos difere entre os dos Alcorões. Isto é porque cada Alcorão enumera os versos diferentemente. Assim, a Surata 2:132 no Alcorão de Hafs é o mesmo verso da Surata 2:131 do Alcorão de Warsh.
DIFERENÇAS TEXTUAIS BÁSICAS – Existem diferenças entre as letras básicas impressas destes dois Alcorões. Esta foram aquelas elas que Utman padronizou em sua revisão do Alcorão [1].
O ALCORÃO DE ACORDO COM A TRANSMISSÃO DE IMAN HAFS | O ALCORÃO DE ACORDO COM A TRANSMISSÃO DE IMAM WARSH |
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Os exemplos acima mostram que existem diferenças entre as letras básicas destes dois Alcorões.
DIFERENÇAS DIACRÍTICAS – O Árabe usa ponto para distinguir entre certas letras que são escritas do mesmo modo. Por exemplo, o símbolo básico representa cinco letras diferentes do idioma Árabe, dependendo de onde os pontos diacríticos são postos. Para o exemplo acima, as cinco letras com seus pontos diacríticos estão como assim:
baa', taa', thaa', nuun, yaa'. Contudo, estes pontos pertencem a um desenvolvimento posterior da escrita Árabe e não estavam em uso quando Utman padronizou o texto do Alcorão. Assim, o texto pôde ser lido de diversas maneiras e deste modo se tornava ambíguo em alguns locais. Ele serviu como um guia para os diferentes Recitadores do Alcorão, mas não como um guia completo porque os pontos diacríticos ainda não estavam em uso. Os dois Alcorões que nós estamos examinando vêem de dois Recitadores diferentes e também têm duas tradições orais. Estas tradições têm seu próprio sistema único de onde os pontos (e vogais) podem ir. Vemos isto porque na mesma palavra estes dois Alcorões possuem pontos em diferentes posições, conseqüentemente formam letras diferentes. (Lembre-se que a numeração dos versos difere nestes dois Alcorões).
O ALCORÃO SEGUNDO A TRANSMISSÃO DE IMAM HAFS | O ALCORÃO SEGUNDO A TRANSMISSÃO DE IMAM WARSH |
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Dos exemplos acima podemos ver que há diversos pontos que são diferentes entres estes dois Alcorões. A tradição oral não é a mesma.
DIFERENÇAS DE VOGAIS – No manuscrito Árabe do moderno Alcorão, as vogais são indicadas por pequenos símbolos acima ou abaixo das letras básicas impressas. Semelhantes aos pontos diacríticos, estes símbolos vocálicos são um desenvolvimento posterior do manuscrito Árabe e não estavam em uso quando Utman padronizou o texto do Alcorão. Assim as vogais também não estavam escritas no Alcorão de Utman. Com as vogais vemos outra diferença entre estes dois Alcorões, porque em diversas ocasiões eles não têm as mesmas vogais usadas para a mesma palavra. Considere os seguintes exemplos de como as vogais diferem entre entes dois Alcorões.
O ALCORÃO SEGUNDO A TRANSMISSÃO DE IMAM HAFS | O ALCORÃO SEGUNDO A TRANSMISSÃO DE IMAM WARSH |
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Alguns Muçulmanos afirmam que estas diferenças entre os sinais diacríticos e vogais não são resultado de ambigüidade do texto de Utman, mas sim que as “variantes aceitáveis” são todas parte da revelação do Alcorão. Deste modo não há apenas um modo de se recitar o Alcorão, mas sim vários modos – muitas tradições orais diferentes. Ainda que outros Muçulmanos discordem disto. Eles dizem que há somente um modo de recitar o Alcorão e que as variantes vêem dos Recitadores [2]. Independente de responder a esta questão, o fato permanece de que há diferenças reais entre estes dois Alcorões e é exatamente isto que estamos considerando neste artigo. Há diferenças entre as letras básicas, pontos diacríticos e vogais. Estas diferenças são pequenas, mas elas possuem algum efeito sobre o significado.
O que se segue é um sumário de um estudioso que tem feito um estudo mais compreensível do que este meu. Novamente ele está somente comparando duas de tantas transmissões:
Listas das diferenças entre as duas transmissões são longas, ... (contudo) O simples fato é que nenhuma destas diferenças, seja vocálica (vogal ou pontos diacríticos) ou gráficas (letras básicas), entre a transmissão de Hafs e a transmissão de Warsh tem qualquer grande efeito sobre o sentido do texto. Muitas são diferenças que não alteram o sentido de qualquer forma, e o restante são de diferenças com um efeito no significado no contexto imediato do próprio texto, mas sem qualquer influência significante mais ampla sobre o pensamento Muçulmano. Uma diferença (Q. 2/184) tem um efeito no significado que pode ser concebivelmente argüido de ter ramificações mais amplas. (Adrian Brockett, ‘The Value of the Hafs and Warsh transmissions for the Textual History of the Qur’na, Approaches to the History of the Interpretation of the Qur’an, ed. Andrew Rippin; Oxford: Clarendon Press, pp. 34 e 37, realce em negrito adicionado)
Nossa investigação realmente tem somente considerado duas transmissões do Alcorão, mas como vimos no princípio deste artigo, existem mais outras muitas transmissões que também poderiam ser examinadas em busca de variantes. O livro abaixo tem feito exatamente isto. Ele é uma coleção de leituras variantes dos Dez Recitadores Aceitos.
Tradução
Tornando Fácil as Leituras do que tem sido Revelado Autor Muhammad Fahd Khaaruun O Coletor das 10 leituras De al-Shaatebeiah e al-Dorraah e al-Taiabah Revisado por Muhammad Kareem Ragheh O Recitador-Chefe de Damasco Daar al-Beirut |
A página de direitos autorais do livro apresenta o seguinte:
Direitos autorais pertencentes ao publicador. Pode ser adquirido em Daar al-Beirut Bookshop. |
Nesta edição do Alcorão, Muhammad Fahd Khaaruun coletou variants de leitura dos dez recitadores aceitos e os incluiu às margens do Alcorão (da transmissão de Hafs). Estas não são todas as variantes conhecidas. Existem outras variantes que também poderiam ser incluídas mas o autor se limitou às variantes dos dez Recitadores Aceitos. Como o título de seu livro bem sugere, ele torna fácil o conhecimento de quais são as variantes de leitura porque elas são claramente listadas com o texto do Alcorão.
Abaixo está uma copia de uma página aleatória deste Alcorão. Você pode ver as variantes de leitura listadas nas margens. Cerca de dois terços dos ayat (versos) do Alcorão têm o mesmo tipo de variantes.
Comumente Muçulmanos me dizem que as diferenças entre os Alcorões são um problema apenas de dialeto ou pronunciação. Entretanto este não é o caso. Subhii al-Saalih é um estudioso Muçulmano desta área. Ele sumariza as diferenças em sete categorias [3].
- Diferenças nos indicadores gramáticas (i’raab);
- Diferenças em consoantes;
- Diferenças em substantivos, seja no singular, dual, plural, masculino ou feminino;
- Diferenças nas quais há a substituição de uma palavra por outra;
- Diferenças em virtude de uma ordem reversa das palavras em expressões onde o reverso é significante no idioma Árabe em geral, ou na estrutura da expressão em particular;
- Diferenças devido a algumas pequenas adições ou exclusão em acordo com o costume dos Árabes;
- Diferenças devidas a peculiaridades dialéticas.
O que é claro nesta lista é que as diferenças são mais que apenas diferenças na pronúncia ou dialeto.
CONCLUSÃO. Começamos este artigo considerando a seguinte citação de uma organização Muçulmana sobre o Alcorão
Nenhum outro livro no mundo pode assemelhar-se ao Alcorão... O fato surpreendente sobre este livro de ALLÁ é que ele continua inalterado, em nem mesmo um ponto, ao longo dos últimos quatorze séculos. ... Nenhuma variação do texto pode ser encontrada nele. Você pode conferir isto por si mesmo ao ouvir a recitação de Muçulmanos de diferentes partes do mundo. (Basic Principles os Islam, Abu Dhabi, UAE: The Zayed Bin Sultan Al Nahayan Charitable & Humanitarian Foundation, 1996, p. 4, destaque é nosso)
Eu tenho por conta própria checado esta afirmação ao obter Alcorões de diferentes partes do mundo e comparando-as para ver se elas são absolutamente idênticas. O que a minha pesquisa tem revelado é que a afirmação acima sobre o Alcorão está errada. Os Alcorões do mundo não são absolutamente idênticos. Existem pequenas diferenças nas letras básicas, pontos diacríticos e vogais. De fato existem até Alcorões que listam estas variantes em suas margens. Isto significa que como o Alcorão é recitado em diferentes partes do mundo, estas recitações não são idênticas. Desde que o Alcorão tem variações em seu texto e nas tradições orais, ele não é superior à Bíblia. Por favor não faça ou creia em tais declarações exageradas sobre o Alcorão.
Nota finais:
[1] How and Why Uthman Standardized the Qur'an.
[2] The Origin of the Different Readings of the Qur'an.
[3] Subhii al-Saalih, Muhaahith fii `Ulum al-Qur'aan, Beirut: Daar al-`Ilm li al-Malaayiin, 1967, pp. 109ff.
* This article is a translation of "The Different Arabic Versions of the Qur'an" - original
* Este artigo é uma tradução de "The Different Arabic Versions of the Qur'an" - original
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Palavras-chave
Mohamed, Maomé, Muhamed, Mohammed, Islã, Islam, Alcorão, Al-Corão, Quran, Korão, Al-Korão, hadith, hadice, sharia, tafsir, islamismo.